O ÁLBUM "LEMONADE" DA BEYONCÉ É MUITO MAIS DO QUE A INFIDELIDADE DE JAY Z

TEXTO :IJEOMA OLUO TRADUÇÃO : TATIANE BUSTAMANTE



Embora eu tenha sempre gostado da Beyoncé, não me poderia considerar uma seguidora fiel. Portanto, raramente sou uma das primeiras a conhecer os mais recentes projetos da artista. No final de semana passado, fiquem a maior parte do tempo pensando no Prince, chorando pelo Prince e mostrando ao meu filho vídeos do Prince. Quando já tinha me acabado de chorar, no domingo de manhã, vi que “Lemonade” tinha sido lançado na véspera: segundo a imprensa, era um álbum sobre o Jay Z.
ou sobre como o Jay Z mente, era sobre aquela briga infame no elevador, sobre a Beyoncé ficar com raiva do Jay Z, sobre seu sofrimento por causa do Jay Z.

Nunca me interessei muito pelas relações de famosos, mas queria assistir à Beyoncé cantar sobre antigas experiências minhas, então sentei para ver “Lemonade” esperando, pelo menos, me divertir.

O que eu não esperava era ser dilacerada pelo projeto. Não esperava derramar um rio de lágrimas. Mas foi o que aconteceu. “Lemonade” conta muito mais do que a relação e suas infidelidades. “Lemonade” fala do amor que as mulheres negras sentem – o amor que ameaça nos matar, enlouquecer e nos fortalece mais do que precisávamos.
Somos as mulheres deixadas para trás. Somos as mulheres que cuidaram dos filhos de outras mulheres enquanto os nossos nos foram tirados. Somos as mulheres que trabalham em dois empregos quando as empresas não contratam nossos homens. Somos as mulheres cuidando dos netos quando nossos filhos são levados pelo complexo prisional industrial. Somos as mulheres que vão às ruas participar de manifestações, mas por quem ninguém jamais se manifesta. Somos as mulheres de quem se espera que nunca sofram em público. Somos as mulheres de quem se espera lealdade aos nossos homens, permanecendo em silêncio durante abusos e infidelidades. Somos as mulheres que limpam o sangue dos nossos homens e meninos das ruas. Somos as mulheres que vão buscar os pertences deles na delegacia de polícia.
Toda vez que o nosso amor e nosso compromisso e nossa luta encontram indiferença e deslealdade, ninguém espera que tenhamos raiva. A mulher negra que mostra raiva é rapidamente desprezada. “Os homens negros já tem tanto com o que se preocupar”,dizem, “seu papel apoiá-lo e ajudá-lo a se tornar um homem melhor”. A humildade que esperam de nós contrasta com a força necessária para viver nesse mundo como mulher negra. “Quem você acha que eu sou, porra?”, pergunta Beyoncé, com raiva, a um Quando nossos corações estão em pedaços e choramos de dor, dizem-nos que a culpa é nossa. Fomos carentes demais, ciumentas demais, críticas demais. 
Escutamos que é nosso dever amar com todo o nosso ser e, caso esse amor não seja correspondido, é porque amamos ao mesmo tempo demais e não o bastante, o que nos pode enlouquecer. Em “Hold Up”, Beyoncé pergunta: “O que é pior: parecer ciumenta e louca ou ser completamente humilhada depois?Prefiro ser louca”.

Essa expectativa de que as mulheres negras devem sofrer em silêncio é transmitida de geração a geração. Beyoncé se refere claramente a essa herança: “Você me faz lembrar do meu pai – um mágico, capaz de existir em dois lugares ao mesmo tempo / Seguindo a tradição dos homens do meu sangue, você volta para casa às 3 horas da manhã e mente para mim”.


E deste amor profundo e sofrido nasce a força que não deveríamos ter que possuir. Gerações de trabalho, amor e desprezo fizeram de nós guerreiras. Só o fato de existirmos já é um protesto. Beyoncé celebra a beleza e a força da mulher negra mostrando mulheres que sobreviveram altivas apesar das constantes perseguições sofridas em razão de sua negritude. Quvenzhané Wallis, excelente jovem atriz que frequentemente ouve zombarias sobre seu cabelo crespo, seu nome diferente e sua pele escura, está, orgulhosa, ao lado da rainha Bey, ciente de que aquele é o seu lugar. Serena Williams, a mais talentosa atleta viva, ainda alvo de zombaria por causa de seu corpo amplo e forte e de sua beleza distintamente negra, rebola desafiadoramente para o espectador.

Talvez a mais direta e emocionante homenagem às mulheres deixadas para trás – as mulheres que serão deixadas para que juntem todos os cacos novamente – seja a participação de Sybrina Fulton, Lezley McSpadden e Gwen Carr. Elas estão sentadas, estoicamente, segurando os retratos de seus filhos mortos: Trayvon Martin, Michael Brown e Eric Garner. São mulheres que, assim como tantas mulheres negras, levam seu amor e dor adiante ao continuarem a lutar pelos negros em um mundo que não nota sua existência.

Mas Beyoncé nos vê porque ela é uma de nós, e não deixará que nos afoguemos no desespero. Em “Freedom”, Beyoncé nos reúne a todas em uma festa de recordação do Sul com orgulho de nossa força. “Eu também preciso de liberdade. Eu mesma quebro essas correntes”.

Que presente admirável e cheio de amor Beyoncé oferece a todas nós. Este álbum ajudará a mim e a tantas outras mulheres negras que conheço a superarem alguns dos dias difíceis que virão.



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